domingo, 9 de dezembro de 2007

Mortos

Crueza, violência, beleza também, talvez....
Morrem pessoas, morrem jovens adolescentes, morrem adultos e morrem os velhos. Morrem à distância e morrem nos meus braços, morrem com a família ao telefone, morrem com a família do outro lado da porta, à espera de notícias...
Morrem pessoas sozinhas, sem ninguém da família por perto para as apoiar, morrem pessoas rodeadas pelos seus, em desespero por nada poderem fazer para as ter um pouco mais consigo, morrem os mortos de mãos dadas com os vivos e os vivos percebem que morrem um pouco (ou muito...) com eles...
Passam mortos pelo corredor (alguns ainda de pé...), mortos de cara descoberta, mortos de rosto marmóreo, mortos de lábios azulados...
Morrem pessoas da cama do lado e quem ficava (ainda viva?) assistia a tudo... Num momento estava viva, no outro, a cortina corria e, ao ser reaberta, acabaram as conversas ao almoço, acabaram as conversas ao jantar ou com as famílias uns dos outros...
Resta um espaço vazio, sem cama, sem vida. Sem morte, sequer, que alguém tratou de levar para outro lado qualquer...
E acabou…

2 comentários:

Bela Isa disse...

Muito bom. Intenso, duro. Mas é isto. É mesmo.
Inevitavelmente pensamos a morte tantas vezes. Do alto das nossas jovens vidas já vimos muita gente partir... faz parte... da vida, daquilo que assumimos fazer nela, do que somos.
Duro ver também essas pessoas mortas mas respirando, andando, conscientes de que ao virar da esquina ela as aguarda. Sabemos todos que um dia vamos morrer, mas sabe-mo-lo de uma forma totalmente opaca, não verdadeiramente interiorizada. A plena consciência de que vai acontecer, essa, só o têm essas pessoas... de lábios azulados...
E é difícil de gerir todos esses espaços e tempos. Toda essa consciência do ser e do inevitável fim. É duro ouvir alguém dizer, olhando-nos olhos nos olhos, agarrados à esperança de que não dói, "vou morrer sra enfermeira".
E sim, é difícil para os que ficam, estar com eles nesses momentos, mas mais ainda dizer-lhes que não chegaram a tempo. Aquele tempo. Curto espaço de tempo.
A solidão na morte é cruel. Tal como a solidão em vida.
Sei lá... a morte não é fácil para ninguém.
"morrem os mortos de mãos dadas com os vivos e os vivos percebem que morrem um pouco (ou muito...) com eles..."... e morrem para sempre, quando quem lhes deu essa mão já não andar por cá para os lembrar.

MÓNICA disse...

É esta a dura realidade com que nos deparamos no dia a dia!
Mas tu já sabias que ía ser assim, tiveste a oportunidade de por lá passar uns meses, antes de te decidires a ir para lá!
Espero é que, com o tempo, não percas essa sensibilidade que tens com os nossos doentinhos, eu estou lá há quase 11 anos e ainda não perdi!
Mas o que me custa mais é quando alguém acha que pôr termo à vida de livre vontade, é solução dos problemas. Já não falo dos nossos doentes, porque o objectivo deles é antecipar o que está muito próximo, e é inevitável, e durante estes anos tenho assistido a alguns!
Custa-me é quem não está aí, o faça, duma maneira violenta e súbita! Magoando todos os que cá ficaram.(podes perceber melhor, no meu blog)
bjks